Sobre sutiãs, bolsas e bicicletas

Ela comprou uma bolsa de bicicleta. Colocou a bolsa na cadeira giratória, deitou na cama que havia herdado de sua falecida mãe e se pôs a sentir dores. Sentia muitas dores, nas costas, principalmente, e tinha medo de ficar paraplégica. As dores aumentavam quando ela tirava o sutiã, e se tornavam insuportáveis depois de um tempo com ele. A bolsa, nova, ainda não utilizada, girava com suas rodas de bicicleta. Sua vida permanecia estática. As bicicletas em formato de sombra a faziam pensar na imagem real. Nada era real. A bolsa, a cama, a cadeira giratória, sua coluna e seu sutiã. Não eram reais. Faziam-se sombras de algo desconhecido, e tudo girava. As bicicletas iam para frente e para trás, com suas rodas negras feitas de sombra. Ela podia jurar que as folhas eram azuis, um azul celeste de quem quase voa, e que faziam com que as bicicletas voassem. Ela podia jurar que as folhas eram vermelhas, de um vermelho alvo de quem quase ama, em contraste ao escuro de seu todo amor. Todo amor para todos, menos pra ela. E as bicicletas voavam e quase amavam. Todas as asas pra todos, menos para ela.

Suas costas não paravam de doer. Que bom, pelo menos se preocupava com algo, algo fazia com que ela lembrasse que ainda era humana. Sentia dor. Ainda era humana. Era capaz de nutrir algum sentimento por ela mesma.

E transpirava sentimentos, tentava bebê-los, o vermelho escuro escorria pelos seus poros e encharcava seu colchão, deixava-o um pouco mais macio. O vermelho escuro escorria pelos seus desesperados dedos, inúteis, ao tentar pegá-lo. Sua mão parecia estar sangrando. Sangue de amor ao próximo. E ela desobedecia mais um sacramento. Não amava ao próximo como amava a si. Amava-o muito mais! O Próximo era adorável, fantástico, capaz e alguém! E ela era apenas uma menina com dores e uma bolsa de bicicleta.

As bicicletas teimavam em ir para frente e para trás, prosseguir e retroceder enquanto sua vida permanecia estática, seus sonhos permaneciam inalcançáveis e suas conquistas permaneciam sendo apenas meras obrigações.

Mas seu coração pulsava. Ah! E como pulsava! E seus pensamentos voavam pela imensidão. E entre rodas e dores ela ia vivendo. Ia levando.

Mas seu coração pulsava. De maneira irreal, ilógica, mas pulsava. E aí ela comprou uma bicicleta. Mas mesmo assim nunca conseguiu acompanhar a bolsa, que estava sempre a frente de seus passos.

Nunca conseguiu acompanhar nada. Nem a si. Nunca conseguiu acompanhar nada, até suas dores estavam sempre à frente de seus passos.

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